Lulu Skantze na FIPP: as boas práticas da Hearst e o valor de uma boa história

E pra terminar, o resumo das experiências no FIPP World Media Congress, esse ano, claro que tinha que ter uma história. Afinal Podemos falar de tecnologia, modelos de negócios, eventos e todas as tendências que ocupam nosso dia em mídia, mas tudo começa e termina sempre com uma excelente história.
Joe Martin, VP da Hearst International, abriu sua palestra com uma história sobre uma das reportagens mais célebres de todos os tempos: Frank Sinatra Has a Cold, publicada pela Esquire em 1966.
O jornalista Gay Talese havia sido escalado para escrever o perfil definitivo de Frank Sinatra, na época, o homem mais famoso da América. Viajou para Los Angeles e ansioso para o encontro e prevendo que esse seria o ponto alto da sua carreira. Ao chegar descobriu que Sinatra estava gripado e se recusava a dar entrevistas.
Em vez de desistir, Talese decidiu entrevistar mais de 100 pessoas do círculo de Sinatra, desde empresários, amigos, seguranças, até a mulher responsável por carregar as perucas do cantor e ver o que conseguiria criar a partir dai. O resultado foi um texto brilhante, minucioso e humano, que se tornou um marco do então chamado “novo jornalismo”: rigoroso e fiel aos fatos sim, mas narrado com a riqueza emocional da literatura.
Olhar humano que a IA não consegue ter
“A história acabou sendo maior que o próprio Sinatra pois era também sobre fama, sobre a América, e sobre nós mesmos”, concluiu Martin. “O que vocês acham que a IA teria feito nessa situação?”
Provavelmente nada parecido. Nenhum algoritmo teria esperado meses, escutado 100 pessoas, percebido nuances e contradições dos entrevistados e transformado tudo isso em uma história que segue bastante interessante e atraindo leitores mesmo 60 anos depois.
Já no Segundo dia do evento, foi o melhor argumento possível sobre o valor insubstituível do olhar humano no jornalismo.
A partir dessa história, Joe Martin falou sobre a mudança no papel das marcas de mídia. Nada que já não sabemos: fake news e conteúdo automatizado (metade de todos os artigos online já são gerados por IA ele disse), a confiança é nosso ativo mais valioso.
Ele dividiu alguns dados de pesquisas mostram que:
- A confiança do leitor em um artigo cai 50% se ele apenas suspeitar que foi escrito por IA.
- E a intenção de compra em anúncios ao lado desse conteúdo cai 14%.
- Enquanto isso, o volume de sites com conteúdo 100% automatizado cresceu 700% no último ano.
Martin defendeu que as marcas editoriais fortes como as da Hearst têm vantagem competitiva, já que o valor de um marca confiável supera o de qualquer algoritmo.
Relacionamento como chave do negócio
O VP da Hearst acredita que o modelo de mídia baseado apenas em escala e tráfego ficou para trás mas o desafio de construir lealdade e engajamento real exige mais do que boas métricas de SEO.
De novo, o foco voltou aos eventos. Na Hearst International, a estratégia hoje passa por aprofundar o relacionamento com os leitores e anunciantes, criando experiências, clubes e eventos que tornam as marcas mais vivas. Alguns exemplos que ele trouxe incluem:
- Cosmo Sleepover, franquia internacional que conecta editoras e leitoras.

- Harper’s Bazaar Privé, clube exclusivo em Londres, onde mulheres pagam entre £1.000 e £10.000 por ano para participar de eventos no Goring Hotel

- As marcas de esporte, como Men’s Health e Runner’s World, criaram corridas e treinos em parceria com grandes marcas, como a Samsung.

Essas experiências têm aumentado o valor percebido das marcas e gerado dados de primeira mão sobre os leitores que alimentam novas ofertas e ações comerciais. Como as outras palestras antes dele, a palavra mágica é evento – e eventos em parcerias com anunciantes, realmente são ideias.
O “backstage” do digital
Por trás das estratégias que ele demonstrou, achei interessante a operação de bastidor rigorosa dos dados e dos arquivos que eles tem. Ele chamou de “clean content” o trabalho que a equipe vem fazendo ao revisar práticas em SEO, desempenho técnico e padronização internacional para que todo arquivo e IP da marca estejam atraindo os leitores certo, sendo monetizados da melhor maneira e criando menos barulho e mais valor online. Um grande desafio quando você imagina o tamanho do arquivo de cada marca, incluindo:
- Consolidar URLs e eliminar duplicações;
- Monitorar core web vitals (velocidade, acessibilidade, legibilidade);
- Unificar taxonomias, metadados e estrutura de links;
- E criar manuais de boas práticas aplicados em todas as redações parceiras e licenciadas pelo mundo.
O resultado dessa trabalho é que a audiencia digital deles cresceu – porque ficou fácil e eficiente acessar o conteúdo, com destaque para a equipe da Espanha, que liderou parte dos testes.
O futuro — e o que continua igual
No encerramento, Martin brincou, como bom contador de histórias que ele me pareceu ser:
“Perguntei ao ChatGPT o que eu deveria dizer no final da minha apresentação para deixar as pessoas otimistas sobre o futuro da mídia. Deu erro.”
E concluiu:
“Mas a verdade é que o futuro é promissor. Sessenta anos depois, ainda estamos falando de Frank Sinatra Has a Cold. Isso diz tudo sobre o poder de uma boa história. As marcas que sobreviveram a guerras, crises e ao nascimento da internet vão continuar a prosperar se permanecerem fiéis àquilo que as tornou especiais: boas histórias e conexão humana.”
Joe Martin lembrou o que muitas vezes esquecemos no turbilhão tecnológico: uma história bem contada e cheia de humanidade ainda move o mundo. Eu jamais vou discordar disso.
Leia os insights de Lulu Skantze no FIPP World Media Congress


