Tramas do Invisível: Como geomarketing e IA podem salvar o jornalismo local?

O especialista em inovação e mídia digital, Domingos Secco, fundador da Allright e coautor do livro Jornalismo Local no Brasil Caminhos Possíveis, foi o convidado do Café com Aner da terça-feira, 18 de novembro. Domingos falou sobre a tese das Tramas do Invisível, uma metodologia que propõe que o resgate da sustentabilidade do jornalismo local e o fim dos chamados desertos de notícia passam pela integração de Ciência de Mídia, Geomarketing e Inteligência Artificial (IA).
Diante de um mercado publicitário viciado no scrolling e desconectado da complexidade territorial brasileira, a iniciativa visa munir os publishers de ferramentas para atuar como sensores e intérpretes de suas comunidades. O modelo também tem o objetivo de reconectar a verba dos grandes anunciantes aos veículos hiperlocais.
O Café com Aner é um encontro promovido desde 2021 pela Aner, que busca compartilhar informações, insights e novidades para os jornalistas, publishers e todos os participantes do mercado editorial jornalístico. Para conhecer a agenda completa, acompanhe nossas redes sociais Instagram, LinkedIn e a nossa página de Eventos!
Desmistificando a cegueira programática
Seco fez uma crítica contundente ao modelo atual de compra de mídia, que ele descreve como uma “máquina caça-níquel de atenção” onde os anunciantes perdem a bússola do território. Historicamente, o mantra da mídia programática de que “não importa o contexto, o que importa é o usuário” foi um mecanismo para prender o mercado a sistemas que priorizam o interesse e o lifestyle em detrimento da demografia e da localização.
“A gente acabou perdendo completamente a bússola do território. A gente já não conhece o Brasil. Estamos presos dentro dessa rolagem, desse scrolling”, alerta.
Segundo Secco, essa desconexão leva a uma cegueira operacional severa no Brasil. Ele afirma que, ao utilizar plataformas como Google Ads ou YouTube, a capacidade de obter relatórios de entrega de mídia é restrita a aproximadamente 1.432 IDs geográficos. Isso significa que mais de 4.500 municípios brasileiros permanecem invisíveis para o planejamento de mídia de precisão.
“Se tu fizer uma uma campanha no Google Ads, no YouTube, no DV 360, ou na melhor plataforma que tu quiser do mundo, tu vai conseguir tirar um relatório só de 1432 lugares, sendo que alguns são distritos porque são bairros de São Paulo. Portanto menos de 1000 municípios”, afirma.
A consequência dessa falta de cognição é que, ao questionar agências e marcas sobre suas estratégias de regionalização, a resposta frequente é de impotência: “nada, eu não tenho, eu não sei, eu não consigo”.
A metodologia das tramas do invisível
A tese Tramas do Invisível oferece um novo olhar sobre a hiperlocalidade, estruturado em quatro componentes interconectados, que devem orientar tanto a produção de conteúdo quanto a estratégia de mídia. O primeiro pilar são as Pessoas e Demografia. A identificação vai além do binômio sexo e idade, buscando arranjos sociais e familiares mais complexos. É possível estimar quantos idosos moram sozinhos, quantos casais jovens estão sem filhos, ou quantos filhos adultos retornaram ao lar, o que altera fundamentalmente o contexto para campanhas de marketing.
O segundo pilar é o Mercado, que envolve um “raio X” econômico e territorial. Inclui dados de renda, saúde, emprego e o perfil da economia local (agronegócio, indústria, comércio, etc.). A imensa diversidade brasileira faz com que a realidade mude completamente a cada poucos quilômetros, exigindo que a estratégia seja por natureza hiperlocal.
O terceiro pilar são os próprios Veículos de comunicação. Os veículos locais possuem o poder local, afinidade e pertencimento, elementos que as marcas estrangeiras ou com dificuldade de expansão territorial carecem. Eles são vitais para a inteligência regional e para a produção de conteúdo autêntico, funcionando como os sensores e intérpretes do território. O veículo local é incentivado a valorizar o que é “nascido aqui” pela comunidade, e não apenas o que é “feito aqui” (produzido por uma fábrica externa). Isso colabora para fugir de coberturas genéricas (red news) ou de trends.
O quarto pilar, o Momento, refere-se ao tempo certo de comunicar. Não se trata apenas dos trending topics nacionais, mas sim de entender eventos locais — como uma corrida de rua com 20 mil pessoas em Arapiraca ou o jogo de um time na série D — que alteram a dinâmica de consumo e criam janelas de oportunidade para a mídia.
Monetização e a IA como agente de escalabilidade
Secco afirma que a gestão dessa complexidade territorial, com 5.571 municípios, é humanamente inviável. É nesse ponto que a Inteligência Artificial entra como um poderoso acelerador de processos. O especialista explica que a IA não deve ser usada para criar conteúdo autêntico localmente, pois ela não conhece a “Dona Maria que tem 100 anos” do bairro. Seu valor, no entanto, reside em automatizar e sincronizar a vasta quantidade de dados territoriais (sociais, econômicos, de cobertura física de rádio e TV, de conectividade celular) com o inventário de mídia.
O caminho para a sustentabilidade, segundo Seco, é a criação de um marketplace que permita vender a mídia desses veículos de forma eficiente e pontual. A plataforma Nexos, idealizada por ele, busca justamente mapear todas as possibilidades de mídia em um território, desde rádios e sites até influenciadores locais, permitindo que qualquer anunciante possa comprar mídia baseada em um evento hiperlocal (como uma maratona). Isso representa uma migração de uma mídia massiva para uma entrega pontual e altamente contextualizada.
Conheça mais sobre as Tramas do Invisível
Domingos Secco chama atenção para a ausência de uma inteligência regional, que impede que grandes marcas consigam expandir territorialmente, tornando-as “estrangeiras” em mercados locais e perdendo espaço para concorrentes nativos. Segundo ele, o futuro do publishing brasileiro exige que os veículos assumam a posição de cientistas de mídia, trabalhando com dados, pesquisa e aplicando metodologias que comprovem seu poder de alcance e afinidade.
A IA oferece o ferramental necessário para escalar essa leitura do território, mas a coleta do first-party data mais valioso — a cultura e o contexto local autêntico — permanece uma responsabilidade exclusiva e inegociável dos publishers e repórteres. O desafio é girar a economia e ser mais eficiente, garantindo que a riqueza literal da publicidade volte para quem está comunicando de forma autêntica e relevante no ecossistema local.
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