Memberships e Manifestos: Dicas para editores de revistas independentes

Em mais um artigo exclusivo para a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), a publisher brasileira radicada na Holanda, Lulu Skantze conta os insights de um encontro em Amsterdã. Entre as dicas especiais para editores independentes, o modelo membership, a necessidade de equipes confiáveis e bem alinhadas e o manifesto inicial como um norteador para o trabalho.
Boa leitura!
O verão por aqui geralmente é mais calmo, com menos eventos e agitação, já que grande parte das pessoas está fora da cidade nessa época. Mas este ano, um dos meus lugares favoritos em Amsterdã, o Athenaeum Nieuwscentrum, organizou um evento para editores independentes. Uma bela oportunidade de aprender mais sobre o universo das revistas, trocar ideias e se inspirar.
A programação foi uma mistura de mesas-redondas, debates, consultorias individuais com especialistas e a chance de conhecer gente como a gente (apaixonada por revistas). Tudo o que a gente ama na edição independente estava ali: um encontro intimista (media de 15 participantes por sessão) mas cheio de conteúdo afiado. Para completar, o ingresso dava direito a um voucher para gastar em revistas independentes. Para quem ama uma boa banca, como eu, isso já é felicidade instantânea.
Dentre os destaques, dois momentos escolhi dois para dividir.
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Nikki Simpson e o modelo membership para revistas
O primeiro foi a mesa-redonda com Nikki Simpson, do International Magazine Centre, no Reino Unido.
A Nikki tem uma missão muito clara: ajudar editoras pequenas (de times em torno de 10 pessoas) — da ideia até o lançamento e crescimento das revistas — e ela faz isso com bastante conhecimento e uma generosidade rara. (Ela também faz parte da equipe da FIPP, que organizou o evento FIPP Insider no Brasil no início deste ano.)
A sessão dela focou no modelo de membership para revistas — algo sobre o qual escrevi recentemente como uma alternativa ao modelo tradicional de assinaturas. Memberships estão mais alinhadas com essa nova mentalidade de comunidade que muitos leitores buscam hoje em dia: pertencimento, identidade, participação.
Nikki nos guiou por uma estrutura prática para definir o propósito do seu membership, alinhar isso às expectativas dos leitores e usar o que você já tem – o que ela chamou de “member-izar” seus ativos. (Sim, uma palavra inventada, mas bastante útil!) A mensagem era clara: comece pequeno, comece agora, vá ajustando, mas construa algo que realmente tenha valor para o seu público. Ela compartilhou materiais muito úteis e ainda deixou um convite aberto para o Magazine Street que acontece em outubro, em Glasgow.
Sou uma grande entusiasta do trabalho que a Nikki vem fazendo no International Magazine Centre – é prático, acessível, generoso e cheio de conteúdo valioso. Mas acima de tudo, é construído com base em comunidade.
Colaboração e pessoas confiáveis: elementos essenciais para o sucesso de editores independentes
O segundo destaque foi a palestra de Jeremy Leslie. Jeremy é o criador do MagCulture, no Reino Unido – uma loja, plataforma e ponto de encontro para editores independentes. Na sua fala, ele reuniu trechos de entrevistas com dezenas de editores e criadores que responderam, ao longo dos anos, a uma pergunta simples: O que você aprendeu publicando revistas?
Cada slide parecia um déjà vu da minha própria trajetória como editora. Um checklist de “sim, sim, sim, passei por isso!”. O principal ensinamento – repetido por vários entrevistados — foi: comece. Não espere estar perfeito, não complique demais. Comece. Seja ingênuo – você vai precisar dessa ingenuidade para dar o primeiro passo. Sempre me pergunto: se soubéssemos o quanto seria difícil, teríamos começado? Provavelmente não.
Ele também falou sobre a importância da colaboração – cercar-se de pessoas em quem você confia e admira.
Outro ponto forte foi sobre ter clareza no seu ponto de vista. O que você defende? Qual espaço está ocupando? Qual mensagem quer passar? Revistas são feitas de opiniões — e é preciso coragem para ter uma voz clara e forte.
Teve uma citação ótima do Peter Kormanyos, da revista Purgatory Sandwich, aqui de Amsterdã (que também participou do painel no fim do dia):
“Revistas que não estão dispostas a ter uma conversa real com seu público tornam-se irrelevantes e invisíveis.”
Distribuição ainda é um desafio
Depois vieram os aspectos práticos. Revistas tomam tempo e dinheiro. A distribuição é um desafio. Envolve logística, peso, custo. Jeremy fez questão de incluir temas menos glamourosos, como envio pelo correio e impressão – o que é super importante e precisa ser “resolvido”. A verdade é que tudo isso impacta seu produto e seu planejamento. Muitas vezes, o design que adoramos pode não funcionar nos correios. (Flow Magazine é uma bela exceção, aliás!)
Mas tudo isso faz parte do ritmo do processo. É sobre pensar a longo prazo, sobre criar uma estrutura e uma identidade capazes de evoluir com o tempo. Magazines precisam de continuidade, voz e um bom fio condutor.
Dan Jolin, da revista Senet, sugeriu escrever um manifesto logo no início — e reler sempre que necessário. É um guia para manter o foco na missão quando tudo fica mais turbulento.
E para fechar, mais uma citação de Peter naquele dia:
“Abrace o caos. O caos vai fazer perguntas que a ordem nunca faria.”
Em tempos tão caóticos, isso faz mais sentido do que nunca.
E no fim, como sempre dizemos na nossa editora: É só uma revista. Echo Wu, da 1413 Magazine, também disse isso na entrevista dela.
Mas é a sua revista. É real. E quando ela estiver pronta, no mundo, você pode sim sentir muito orgulho dela.
E como todo evento de revistas que a gente gosta de participar, é bom poder encerrar numa nota positiva. Porque afinal a gente precisa de inspiração e motivação para continuar fazendo bem feito.


