Chegou a hora dos anunciantes voltarem a falar com gente de verdade

Chegou a hora dos anunciantes voltarem a falar com gente de verdade

14 de maio de 2020
Última atualização: 14 de maio de 2020
Helio Gama Neto

ORBIS MEDIA REVIEW – 12/05/2020

ANA BRAMBILLA

Um dos fatos positivos que o coronavírus revelou foi o retorno da atenção do público aos veículos de jornalismo profissional, em detrimento das redes sociais. Quando a informação salva vidas, a confiança se restabelece no pacto firmado com quem assume a responsabilidade na produção de conteúdo, ou seja, os veículos.

Organicamente, as audiências passam a enxergar os meios noticiosos com mais credibilidade do que as mensagens assustadoras e sem procedência que se proliferam sobre a covid-19 nas redes sociais. O próximo passo é que os anunciantes também acessem tal nível de lucidez e não se deixem mais enganar por métricas frágeis e não auditáveis.

Quando orçamentos de compra de mídia precisam ser revistos, as marcas operam com margens de retorno menores. Ou seja, não há espaço para errar, muito menos para jogar dinheiro fora. A exposição da campanha precisa, no mínimo, chegar a olhos e mentes de pessoas reais, potenciais consumidores, gente com nome, sobrenome, desejos e, preferencialmente, com cartão de crédito ativo. Qual o sentido em pagar para ser “visto” por um robô ou por um fake?

A atividade das click-farms não é novidade. O mercado do engajamento continua crescendo há, pelo menos, cinco anos, a despeito de qualquer anúncio de cancelamento de conta-fantasma feito pelos proprietários das redes sociais. O pior é que, segundo reportagem publicada em dezembro pelo New York Times, não adianta nem mesmo o usuário real denunciar um perfil falso, pois três semanas depois ele continuaria ativo.

Experimento
Esse teste foi resultado de uma pesquisa conduzida por uma consultoria ucraniana de comunicação digital, chamada Nato Strategic Communication. Primeiro foram usados 300 euros na compra de 5 mil seguidores, 3,5 mil comentários, 25 mil likes e 20 mil views, incluindo para contas de políticos.

O experimento foi feito sobre centenas de posts de várias redes sociais. Segundo os pesquisadores, “houve pouca ou nenhuma dificuldade” na compra. Instagram foi categorizado como “o mais barato e o mais fácil de ser manipulado”. Segundo este outro estudo, mais da metade dos influenciadores brasileiros apresentam métricas infladas, ou seja, irreais.

Os caminhos para fraudar métricas de redes sociais são tantos que as próprias plataformas se tornaram incapazes de sanar a situação – considerando que elas próprias não joguem o mesmo jogo e faturem sobre o teatro que criaram aos anunciantes, impossível de auditar.

Assim como o mercado de influencers se desenvolveu e projetava movimentar de 5 a 10 bilhões de dólares neste ano, a compra e venda de resultados também acontece de forma paralela aos controladores das plataformas. São eles quem criam as regras, porém. E se tais regras permitem que o negócio seja facilmente passível de fraude, não há forma de serem isentos da responsabilidade.

“Cheguei a 1 milhão de seguidores!”
O problema se torna ainda mais grave quando usuários e empresas acreditam nestas métricas como uma régua para avaliar o seu desempenho profissional. Um exemplo clássico acontece sempre que algum colega me conta, com entusiasmo, que bateu 1 milhão de fãs no Facebook.

Aliás, isso aconteceu novamente há três semanas. E minha reação foi a mesma de sempre: “Então, colega…” – respiro fundo, cheia de culpa por ser a portadora da má notícia – “A quantidade de seguidores em qualquer rede social não significa absolutamente nada!”

A reação neste caso mais recente foi assim:

— Mas é tudo orgânico! Juro que a gente não comprou!

E eu acredito, disse a ele. O esquema de valoração das atividades e produtos de mídias sociais são tão enganosos que mesmo aqueles que agem corretamente, alimentam um perfil com dedicação e empenho e não compram fãs nem likes também são impactados pela ação de fakes e bots.

Como funciona o mercado de métricas
Na tentativa de simular um comportamento humano, perfis criados por click-farms interagem gratuitamente com usuários e páginas do mundo todo. Dessa forma, se tornam alvos mais difíceis na hora em que são contratados e têm de adotar um padrão de atividade de spam.

Outra forma de burlar o sistema de métricas é através dos pods, que são grupos de “curtidores profissionais”, geralmente organizados via Telegram ou WhatsApp. Sempre que um integrante de um pod posta algo no grupo, todos devem curtir, comentar, compartilhar, visualizar, listar, seguir, etc. Os perfis associados aos pods geralmente são exclusivamente criados para esta finalidade.

O esquema nem precisa ser refinado para inventar resultados. Donos de contas com orçamento mais modesto escolhem pelo follow massivo, cujo resultado esperado é o follow-back orgânico. Dois ou três dias depois, no entanto, a conta que adotou follow massivo deixa de seguir os perfis verdadeiros já atraídos. Aliás, essa costuma ser a estratégia adotada por criadores de perfis – que mais parecem criadores de gado – dedicados a “engordar” as métricas. Afinal, a arroba do boi gordo costuma valer mais.

Vendedor de perfil do Instagram chega a expor os analytics da conta para promover seu trabalho de “engorda orgânica”
É simples detectar um perfil que adotou follow massivo. Geralmente a quantidade de contas seguidas é muito superior ao número de seguidores. A propósito, ainda segundo os analistas da Nato, um usuário que segue mais de 1.500 perfis já é considerado massivo.

O artigo do NYT menciona outro caminho de fraudar os resultados das redes sociais citado pelos pesquisadores: “Examinar o engajamento falso é importante porque não são apenas perfis fake que poluem o ambiente informativo. Pessoas reais podem usar suas contas reais para produzir comportamentos falaciosos que distorcem o discurso online e viralizam”.

Fóruns como o Reddit estão povoados por comunidades que operam os negócios mais escusos da surface web (que é esta parte superficial que todos acessamos, ou seja, está visível para todos, mesmo sem login e não escondida como a deep web).

Ativo e acessível a todos – inclusive às empresas de redes sociais -, fóruns de compra e venda de contas e outras métricas se multiplicam na surface web.

O mercado paralelo das métricas que dá vida a outros mercados paralelos para onde são direcionadas as verbas publicitárias dos anunciantes é uma estrutura engenhosa e criativa. Empresas especializadas na criação e no “cultivo” de perfis para venda seguem padrões visuais, linkam para sites oficiais de marcas na busca por credibilidade ao perfil e confiam na avidez pelo consumo de conteúdo de nicho. Estes perfis costumam ter poucos ou nenhum seguidor, usam palavras comuns como nome e são diretamente associáveis a comunidades de hábitos. Além disso, publicam conteúdos geralmente positivos ou inspiradores, de fácil aceitação pelo usuário médio.

Expressões usuais, que identificam comportamentos de comunidades são “nutridos” com mensagens positivas e inspiradoras para atrair usuários organicamente. Uma vez que estão bem povoados, são colocados à venda.

As ofertas de compra e venda de perfis são abertas – e “negociáveis”.

Identidades visuais e descrições generalistas marcam perfis temáticos que, depois de somarem uma grande quantidade de seguidores, são vendidos a empresas do ramo.

Marcas reais são apropriadas por contas fake. A prática já vem desde os tempos de Orkut e Twitter.

Mas se este mercado existe, é porque alguém compra nele!

O que leva o dono de um hotel de luxo anunciar a demanda por um perfil com mais de 20 mil seguidores? A covid-19 não deixou margem de receita para nutrir métricas de vaidade. Ou os seguidores de uma conta são verídicos a ponto de se converterem em clientes e gerarem negócio, ou quem busca o perfil de 20 mil seguidores não é exatamente o dono do hotel de luxo, mas alguém que presta serviço a ele.

É assim que chegamos ao problema do título deste artigo: num cenário de crise, toda a verba investida precisa dar retorno. Um veículo crível e buscado ativamente por quem precisa de informação sólida tem muito mais condições de oferecer uma audiência concreta, verdadeira e com métricas auditáveis. Mesmo na crise, gente de verdade consome. Já bots e fakes…


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Helio Gama Neto