Orkut usa Instagram, Facebook e TikTok, mas prefere Na Vida Real
ÉPOCA NEGÓCIOS – 19/12/2019
MARCELO MOURA
Criador das redes sociais Orkut e Hello, Orkut Büyükkökten se diz fascinado com soluções criativas para aproximar pessoas em espaços físicos
Apresentado a um completo desconhecido, que está ali por razão profissional – este jornalista –, o entrevistado nem percebe a tentativa de aperto de mão e dá um caloroso abraço. Nada mais apropriado. Afinal, trata-se do empresário, ex-gerente de produto do Google e engenheiro turco Orkut Büyükkökten – o Orkut em pessoa, física e jurídica.
Orkut foi criador da rede social raiz. Aquela que, em vez de fake news e intolerância, propagava amor. Aquela que conectava (em internet de linha discada) desconhecidos, que se descobriam semelhantes ao seguirem os mesmos grupos, de nomes como “Queria sorvete, mas era feijão” (dedicado aos potes encontrados no congelador), “Eu leio o shampoo no banho” ou “Cabo USB” (em homenagem ao militar fictício Ulisses Soares Batista). Criado em janeiro de 2004 (um mês antes do Facebook), em 2010 o Orkut tinha 100 milhões de usuários (dez vezes mais que a rede de Mark Zuckerberg). Fez especial sucesso no Brasil, onde chegou a ter 70% de adesão entre os usuários de internet. Mas, feito para o desktop, foi mais uma vítima da ascensão dos smartphones e das redes 3G. Dono da rede, o Google tentou uma sobrevida ao transferir a administração da Califórnia para Minas Gerais. Não adiantou muito. Fechou, por falta de seguidores, em 2014.
Orkut acabou, mas Orkut – o empresário – continua muito vivo e elétrico, aos 44 anos. No Brasil em novembro, a convite do Silicon Valley Conference, estendeu a agenda para dar palestra a estudantes, conhecer bares, casas noturnas, praias, falar com gente. Diante dos millennials, é celebrado como ícone de uma espécie de Woodstock digital dos anos 2000, de uma internet mais calorosa, ingênua e livre, em que as pessoas pareciam mais felizes. “Vindo para cá, um rapaz de 22 anos me reconheceu no avião”, diz. “Mesmo gerações mais jovens conhecem e falam sobre nossa rede social”. Mais do que divulgar sua nova iniciativa, a Hello Network, Orkut gosta de falar sobre empatia.
Quais redes sociais você usa hoje?
Várias. Das maiores, uso Facebook, Instagram, Twitter, Linkedin. Estive no Tinder, estou no TikTok. Os mais jovens estão muito nessa.
Qual a sua opinião?
Boa pergunta… Existe uma piada que diz assim: quem está no Twitter, pensa que sabe das coisas; quem está no Instagram, pensa que é fotógrafo; quem está no Pinterest quer se casar, e quem está no Facebook pensa que tem amigos. São pessoas divulgando conteúdo entre a sua audiência.
O que a piada diz sobre quem está na sua nova rede, o Hello?
Oh… Temos muitas avaliações dos usuários. Eles dizem que nosso app os faz realmente felizes. Ouvir isso traz a sensação de dever cumprido, pois é o que queremos. No Brasil, temos histórias de gente que se apaixonou, ou que viajou longas distâncias para se conhecer pessoalmente. Hello está conectando pessoas que não se conheciam, do jeito que fazíamos com o Orkut. No Facebook ou no Instagram, as pessoas reagem mal quando um estranho puxa conversa, acham que é algum maluco. Hoje, as únicas rede sociais que estimulam o encontro são as de namoro, como o Tinder. Foi a rede que eu usei outro dia, quando estava em Porto Alegre, e queria conhecer gente.
Se foi quando estou pensando, o episódio rendeu boas manchetes, como “Orkut reclama do Tinder no Twitter”
Pois é… Eu queria fazer amigos e sair com alguém para beber. Quando eu começava a fazer planos, o Tinder me bloqueou. Fiz um post no Twitter, na esperança de algum amigo meu conhecer alguém lá que pudesse me desbloquear. Não adiantou, fui dormir e, na manhã seguinte, havia milhares de compartilhamentos. Virou notícia e, efetivamente, conheci muitas pessoas. Eu gosto de me arriscar. Mágicas acontecem quando você assume riscos, dá um salto no escuro. Desse jeito eu me candidatei para o mestrado na Universidade Stanford, nos anos 1990. A taxa de inscrição custava US$ 100, ninguém da minha universidade na Turquia havia conseguido antes, mas ouvi meu coração e tentei. Foi uma das melhores decisões da minha vida.
Qual é a rede social do futuro?
Imagino uma rede que ligue pessoas em lugares físicos. Imagine descobrir no seu entorno – no restaurante, no prédio, no bairro – gente que gosta das mesmas coisas que você.
Uma espécie de Foursquare sobre pessoas.
Isso mesmo.
O que falta para isso acontecer?
Existem algumas startups tentando apresentar pessoas fazendo geolocalização, com a triangulação das redes de celular e o GPS. O problema é que as pessoas não prestam atenção ao mesmo tempo. Tem inovações interessantes acontecendo em espaços físicos, lugares legais feitos com o objetivo de sincronizar as pessoas. Gosto de um bar em Porto Alegre chamado Na Vida Real. Lá tem uma frase escrita com neon, dizendo “Qual foi a última vez que você falou eu te amo?”, e uma seta apontando para um telefone. Daí as pessoas não estão apenas lá, muitas estão unidas pela sensação de terem atendido àquele convite. Outro restaurante oferece uma espécie de biblioteca, em que você tira uma selfie com o livro escolhido e devolve em outro dia. Isso faz desconhecidos se conectarem. Estou meio que fascinado com soluções criativas para criar conexão no espaço físico, não apenas em apps.
Por que você não usa tecnologia em um lugar físico, em vez de outra rede social?
Adoraria usar o poder da tecnologia, das redes sociais, para otimizar a felicidade e juntar pessoas. Queria incentivar o romance… A maior epidemia de nosso tempo é a solidão. Suspeita-se que a solidão faça tão mal à saúde quanto obesidade, quanto o cigarro. Estamos passando mais e mais tempo online e menos cara a cara. As pessoas vão ao cinema e, em vez de assistir ao filme, ficam conferindo o telefone. Vão à academia tirar selfie. Vão à praia e passam duas horas produzindo a melhor foto, em vez de curtir o dia. Viajam e tiram retratos dos mesmos lugares, no mesmo ângulo, apenas para registrar que também estiveram ali. A Catedral de Notre Dame pegou fogo e a reação coletiva foi publicar selfies tiradas lá. Todos os algoritmos que incorporaram inteligência artificial e aprendizado de máquina foram otimizados para aumentar o engajamento e os cliques em publicidade. O feed está forçando você a gastar mais e mais tempo, e os posts com maior engajamento ganham destaque. Nada disso considera o efeito que produz nas pessoas. Elas ficam felizes? Estão se ligando a mais pessoas? Ou a rede as torna mais solitárias? O foco está nos anunciantes, nas empresas parceiras, nos marqueteiros, por isso as redes estão perdendo apelo. Eu adoraria remediar isso.
Os algoritmos não podem ser otimizados para devolver as pessoas à vida? O Netflix pede uma confirmação, de tempos em tempos, para a pessoa não passar horas seguidas assistindo a uma série.
Sim, é possível a uma rede social buscar a interação entre pessoas. Mas só isso não muda a mentalidade dos seus usuários. É importante oferecer conteúdo. O Netflix é um bom exemplo. Todo domingo à noite eu reunia uns 10 amigos em casa para assistir a um episódio inédito de Game of Thrones. Ficávamos uma hora sentados no sofá olhando para a tela, mas pelo menos outras duas horas conversando e bebendo vinho, de uma forma que não faríamos se não fosse aquela série. Imagine poder saber quais pessoas no seu bairro assistem às mesmas séries que você e talvez queiram assistir juntas?
Isso não seria uma rede social em si, mas uma camada social a uma rede de conteúdo.
Sim! Seria fascinante. É como ler quadrinhos numa cafeteria e as pessoas em volta perceberem do que você gosta. Fazer coisas juntos é cem vezes melhor, mas as pessoas não fazem isso por não terem as ferramentas certas.
O Orkut era a maior rede social do mundo, até a chegada do Facebook. Você gostaria de reassumir essa condição com o Hello?
Com o Hello, não faço nenhuma questão de superar o Facebook. Estou menos preocupado com o número de usuários e mais com a felicidade deles. Quero que as pessoas se sintam à vontade para serem autênticas. As próximas novidades da nossa rede social vão nessa direção. Vamos reforçar a conexão em torno de gostos em comum e dar espaço para as pessoas se comunicarem entre si. Fique ligado.
Qual a chance de termos o Orkut de volta?
Bem… Quando o Google fechou o Orkut, em 2014, me devolveu a marca e o endereço orkut.com. Mas o Hello é o sucessor espiritual do Orkut. A melhor coisa eram as comunidades? Toda a experiência do Hello é construída em torno delas. [O Facebook também tem investido em comunidades.] Agora não temos uma seção Testimonials, um mural com depoimentos sobre as pessoas, mas estamos trabalhando nisso. Aprendi aqui no Brasil que as pessoas escreviam nesse mural com o intuito de mandar mensagens secretas! Vocês são muito engraçados. Ontem, em Porto Alegre, as pessoas tentavam me convencer a me mudar para o Brasil e me casar aqui. Quem sabe?