Social bots: ninguém está livre deles

Social bots: ninguém está livre deles

11 de outubro de 2019
Última atualização: 11 de outubro de 2019
Helio Gama Neto

ÉPOCA NEGÓCIOS – 10/10/2019

CLAUDIA PENTEADO

Na era da informação, a credibilidade se transformou em recurso escasso. O excesso de informações trouxe um novo valor para o jogo, e ele se chama reputação. A reputação independe da conexão com “a verdade”: é guiada por uma enxurrada de opiniões, recomendações e julgamentos a respeito das informações que se apresentam diante de nós.

Informações nos chegam filtradas, recomendadas, devidamente comentadas e empacotadas para nossa degustação e avaliação. Uma espécie de inteligência coletiva tomou conta de tudo e, de alguma forma, nosso julgamento não é mais suficiente. Nos tornamos inseguros e certos de que nada mais é confiável, e não apostamos mais no nosso próprio senso crítico. É mais fácil confiar na confiança de outros. Afinal, grandes verdades foram postas em cheque, como a chegada do homem à Lua, por exemplo.

O fato é que temos, todos, razões para não acreditar em boa parte do que circula hoje nas redes. Só o Facebook removeu, entre outubro de 2018 e março de 2019, 3,39 bilhões de contas falsas de seus registros. O WhatsApp encerrou no Brasil 1,5 milhão de contas. E quanto mais se elimina, mais contas falsas surgem. Há um terror à espreita, e ele tem nome: são os Social Bots.

De acordo com uma pesquisa da Oxford University (que pode ser acessada/baixada aqui) , governos têm espalhado notícias falsas para combater tudo aquilo que se opõe a eles: informações, outros políticos, pontos de vista que possam interferir em questões internacionais. Segundo o estudo, o número de países que passou a colocar em prática estratégias de manipulação nas redes sociais mais que dobrou nos últimos dois anos, chegando a 70. O Facebook segue como a plataforma número um para a propaganda enganosa, encontrada, segundo o estudo, em pelo menos 56 países.

Entre as táticas para espalhar informações falsas por aí está o uso de bots, em suas várias formas e possibilidades, viralizando dados com alcance e potência infinitamente maiores do que os velhos ativistas individuais ou hackers entocados em porões ou garagens. Criados para bagunçar a cena política, os Social Bots migraram para outros terrenos: o das marcas, por exemplo.

Marcio Borges, vice-presidente executivo da agência WMcCann, pesquisador do Netlab da UFRJ e estudioso de uma nova linha de pesquisas sobre “Máquinas de opinião: propaganda computacional, contágio e desinformação nas redes sociais online”, vem escrevendo e falando a respeito e esteve, mais recentemente, na conferência Maximídia, em São Paulo, para alertar sobre os efeitos de social bots na reputação das marcas.

Marcas e empresas, afinal de contas, entraram no debate político, pois passaram a ganhar a confiança das pessoas no lugar de instituições em geral e governos, por razões mais que óbvias, transformando o consumo em um ato político.

Brand Lovers e Brand Haters passaram a polarizar a cena digital com a mesma intensidade dos embates nos campos da política, da economia, das questões sociais e ambientais. Em sua palestra no Maximídia, Marcio mostrou cases como o do Burger King no Twitter, em que 600 mil tweets vieram de usuários e 366 mil de bots –  sendo que os de bots, sempre negativos, claro, ganharam mais que o dobro das viralizações.

Outro exemplo interessante foi da Natura, vítima de fake news por parte de um bot chamado @Porcina_Surtada sobre o tema da sustentabilidade, durante os debates em torno das queimadas na Amazônia. O chamado “clicktivism” tem espaço para todos: especialmente o ativismo verdadeiramente humano, quando legítimo e autêntico, respeitando a existência de múltiplas opiniões e pontos de vista.

No entanto, bots e outras ferramentas entraram na conversa das marcas para confundir as tênues fronteiras entre ativismo e manipulação. Inserem na paisagem táticas perversas de marketing digital – espalhando massivamente informações e pontos de vista duvidosos.

Em maio deste ano, a Boston University Questrom School of Business dedicou uma conferência inteira ao tema do risco que as marcas correm no ambiente digital, especialmente ao tomar partido em temas sociais, econômicos e políticos.

O chamado “Risco de Brand Equity” no marketing digital é uma preocupação crescente no C-level das empresas. Um artigo publicado recentemente no Wall Street Journal revelou que rivais importantes da Amazon como Walmart estavam por trás da criação de um grupo sem fins lucrativos chamado Free and Fair Markets Initiative, que lançou uma poderosa campanha criticando as práticas de negócios da Amazon.com.

Este é apenas um caso dos muitos semelhantes que assolam o mundo das marcas, globalmente. Brand Lovers e Brand Haters duelando nas redes podem ser, numa certa medida, mera abstração, promovida por contágio artificial nas redes, câmaras de eco super alimentadas por robôs polarizantes.

Marcio faz uma analogia: “Imagine você e dois vizinhos. Um escuta samba e outro escuta rock. E você, no meio, escuta jazz. Seus vizinhos têm amplificadores potentes e vão aumentando o volume até que o Jazz suma, mas quem está de um lado só escuta rock, e do outro só samba. Você, no meio, não escuta mais nada, nem consegue fazer os outros escutarem.” Soa familiar em várias instâncias das redes: bots e humanos, juntos e misturados, tentando defender seus “lados”, suas causas, ou combatê-los.

E nenhuma rede escapa. Paul Barrett, professor da Universidade de Nova York, é autor de um estudo que aponta que o Instagram e o WhatsApp devem ser as principais mídias usadas para plantar notícias falsas nas eleições de 2020 nos Estados Unidos.

No caso do Instagram, que tem passado ao largo das discussões sobre o tema, pela capacidade de disseminar memes. Segundo Barrett, a desinformação está cada vez mais baseada na produção de imagens – em oposição ao texto. Um prognóstico nada animador.  

Entre 2016 e 2017 (até o fechamento da API no início de 2018 por conta do evento Cambridge Analytica) 40% dos comentários negativos feitos em posts de 16 marcas no Brasil foram feitos por 3% das contas que tinham interagido com o conteúdo. Isso se configura como um indício da automatização das contas. Indício, porque comprovar a existência de bots, de fato, é uma missão hercúlea. E que, por incrível que pareça, foi dificultada pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), com suas restrições em nome do anonimato e da privacidade.

Os dados foram levantados por Marcio Borges para sua pesquisa de mestrado sobre “Contágio emocional em rede: reações e engajamentos nos posts publicitários”.  Segundo ele, contas robôs emulam cada vez mais o comportamento humano: em velocidade de postagem, contextualização, tipo de respostas. A boa notícia é que estão sendo aprimoradas ferramentas para prevenir a ação de social bots, detectá-los e tirá-los de campo, a exemplo da criada pela Universidade de Indiana, nos EUA. Um deles é do próprio Marcio, junto com a agência WMcCann, em parceria com o Netlab da UFRJ.

Há outros programas em andamento, como o do Instituto de Tecnologia e Equidade, que atua em parceria com a FGV/DAPP no mapeamento das redes. Outra boa notícia, no meio disso tudo, é que na medida em que se amplificam os tentáculos da inteligência artificial, barateada e cada vez mais popular,  mais essencial se torna a inteligência humana, crítica e capaz de desafiar algoritmos e combater o monstro da desinformação. Segue o jogo.


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Helio Gama Neto