UM GUIA PARA DESMASCARAR AS MENTIRAS VISUAIS

UM GUIA PARA DESMASCARAR AS MENTIRAS VISUAIS

11 de outubro de 2019
Última atualização: 11 de outubro de 2019
Helio Gama Neto

ÉPOCA – 11/10/2019

HELIO GUROVITZ

Furacões são uma preocupação frequente no Caribe e nos Estados Unidos. A população local está acostumada a acompanhar a previsão do tempo com apreensão. É o caso do jornalista e designer Alberto Cairo, que convive com o risco desde que trocou anos atrás a redação de ÉPOCA pela Universidade de Miami, na Flórida, onde ocupa a Cátedra Knight em Jornalismo Visual. Cairo criou implicância com o mapa usado para alertar a população, em que os meteorologistas desenham o caminho provável do olho do furacão. Como a incerteza cresce quanto mais à frente tentam enxergar — daqui a cinco dias, a posição é mais incerta que amanhã —, eles indicam a trajetória no mapa por meio de círculos conectados, de raios cada vez maiores, num traçado conhecido como “cone de incerteza”. O raio maior no desenho, diz Cairo, não significa que o furacão será mais devastador, apenas que há mais dúvida sobre sua posição. Também não significa que as zonas externas ao cone estejam seguras — em um terço dos casos, o furacão extrapola o traçado. Mesmo assim, 40% da população não se sente ameaçada se estiver perto, mas fora do cone. “O cone de incerteza mente não porque represente a incerteza de forma errada, mas porque mostra os dados de um modo que não foi concebido para ser lido pelo público”, escreve Cairo no livro How charts lie ( Como gráficos mentem ), lançado nesta semana.

Antes mesmo do lançamento, Cairo saltou para as primeiras posições da Amazon graças a um garoto-propaganda improvável: Donald Trump. No início de setembro, Trump tuitou uma lista de estados que deveriam tomar cuidado com o furacão Dorian, entre os quais o Alabama. Desmentido por cientistas, apresentou então um mapa fraudado, com o cone de incerteza do Dorian estendido por uma marca grosseira a caneta, de modo a incluir o Alabama. A controvérsia, batizada “Sharpiegate” (Sharpie é uma marca popular de canetas hidrográficas), gerou barulho por dias e fez repercutir um artigo de Cairo no New York Times criticando o cone de incerteza.

No livro, ele faz o contrário dos meteorologistas: explica de modo acessível os princípios da boa informação visual. Ensina a desmascarar as mentiras escondidas em gráficos cada dia mais usados para propaganda e desinformação nas redes sociais. “Quadros podem mentir de muitas maneiras: por exibir dados errados, por ser mal concebidos — ou, mesmo se feitos por profissionais, porque neles vemos demais ou enxergamos aquilo em que queremos acreditar”, diz Cairo. Didaticamente, ele decifra quadros enganadores sobre todo tipo de tema: aquecimento global, evolução das espécies, desemprego, cortes de impostos, etnias de vítimas e criminosos, queda de fertilidade nos países ricos e até bandas de heavy metal. Desmistifica associações espúrias, como as existentes entre fumo e expectativa de vida, pobreza e obesidade, gastos em ciência e tecnologia e suicídios por enforcamento, afogamentos em piscinas e filmes com Nicolas Cage. Explica por que é errado crer que Pantera negra tenha faturado mais na estreia que O despertar da Força — e por que, na verdade, o maior estouro de bilheteria foi Tubarão . Demonstra que, mesmo sabendo que 40 pessoas morreram de varíola e 99 morreram depois de tomar vacina, é absurdo deixar de vacinar as crianças. Nesse e noutros casos, discute como e quando lidar com percentagens e valores absolutos. Revela, enfim, quem vê mais pornografia, democratas ou republicanos.

A principal lição de Cairo é conhecida de quem teve a sorte de trabalhar e aprender com ele.

Exige atenção e raciocínio de quem o interpreta. Seu uso é indissociável da boa alfabetização numérica e científica. “Sabemos intuitivamente que devemos usar martelos com responsabilidade — para construir, não destruir”, afirma. “Deveríamos pensar em quadros e redes sociais da mesma maneira, para que, em vez de sermos parte da doença da desinformação, nos tornemos parte do sistema imune da sociedade.”

HOW CHARTS LIE
Alberto Cairo, W.W. Norton & Company
2019 | 256 páginas | US$ 26


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Helio Gama Neto