A INFLUÊNCIA DE YOUTUBERS COMO FELIPE NETO NO DEBATE DOS TEMAS NACIONAIS
ÉPOCA – 27/09/2019
Victor Calcagno
Era 2017, e o estudante de engenharia Lucas Portes, de São José dos Campos, São Paulo, então com 23 anos, já sabia em quem pretendia votar nas eleições presidenciais do ano seguinte — o pedetista Ciro Gomes. Para conhecer mais sobre o político, começou a pesquisar vídeos de Ciro Gomes no YouTube. “Quando não entendia uma matéria na escola, procurava vídeos, e fiz a mesma coisa para entender sobre política quando quis saber mais”, contou. Em sua jornada pelas redes, o estudante, que se considerava alinhado com pautas “de esquerda”, ficou intrigado quando viu, em um dos vídeos, que o candidato do PDT “não conhecia nem gostava” dos teóricos da Escola Austríaca, vertente do liberalismo econômico. “Fui atrás dos conceitos liberais e, pelo próprio YouTube, descobri que me identificava muito mais com eles do que com Ciro”, contou Portes, que terminou votando em João Amoêdo (Novo-RJ) e em Jair Bolsonaro. De lá para cá, o interesse por política do estudante aumentou — e o YouTube é sua principal fonte de informação, o que acaba abrindo portas para textos e autores recomendados pelos formadores de opinião que admira na internet.
Portes diz pertencer a uma juventude interessada em política que se identifica, hoje, com influenciadores que expõem opiniões incisivas e temperamento por vezes mercurial — e que postam vídeos “sem muita edição”. Ele se define como liberal e “a favor do indivíduo” — ainda que discorde de algumas ideias dessa linha de pensamento. Acompanha regularmente os canais dos deputados Kim Kataguiri e Arthur do Val, ambos do DEM, além do conteúdo postado pela rádio Jovem Pan, pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e pelo youtuber que se autointitula “libertário” Raphaël Lima. Portes faz parte de um contingente da população que prefere se informar por meio das redes sociais — YouTube incluído — em detrimento de outros meios. Uma pesquisa da Ideia Big Data mostra que o percentual de brasileiros entre 18 e 24 anos que consome informação sobre política nas redes chega a 47%, superando os percentuais de outras faixas etárias. Nesse contingente, o YouTube aparece como o segundo principal meio de informação, com 17% da preferência, atrás apenas do Facebook. A pesquisa também mostra que 42% dos jovens de 18 a 24 anos seguem algum político nas redes — patamar acima da média total da população, de 39%.
O youtuber Felipe Neto, que acumulou mais de 34 milhões de seguidores na rede de vídeos ao postar conteúdo de entretenimento principalmente para adolescentes e jovens, tem se tornado uma das principais vozes do discurso político na internet — em especial no Twitter, onde ganhou mais de 1,5 milhão de seguidores, um aumento de 20%, desde a eleição de Jair Bolsonaro, em outubro de 2018. Suas postagens são, sobretudo, críticas ao presidente e ao governo. Entre julho e outubro de 2018, antes da vitória de Bolsonaro, o número de seguidores de Neto no Twitter era estável, em 8 milhões. Hoje, após uma subida gradual e constante, há 9,5 milhões de pessoas interessadas em ler o que ele escreve. Em 7 de setembro, um ato político liderado pelo youtuber teve grande repercussão: ele comprou e mandou distribuir gratuitamente 14 mil exemplares que tratavam a temática LGBT e estavam disponíveis na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. A iniciativa ocorreu logo depois que o prefeito Marcelo Crivella (PRB-RJ) censurou uma história em quadrinhos de Os vingadores , que trazia ilustrado um beijo gay e era exibida em um dos estandes do evento. Neto tornou-se, então, símbolo de militância pela liberdade de expressão.
Manifestação de jovens na Bienal do Livro contra a censura. Foto: Hermes de Paula / Agência O GloboManifestação de jovens na Bienal do Livro contra a censura. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
Diferentemente da versão youtuber, que dispara vídeos com conteúdo de humor, a faceta mais recente de Neto é aquela “engajada” em pautas sociais. Ele se disse surpreso com o novo “ status ” e que não se vê como “influenciador político”. “É assustador que defender questões básicas de diversidade tenham me alçado a esse ponto. Agora assumo essa responsabilidade, mas meu papel não é levar pessoas a votar de tal jeito, e sim questionar sempre as políticas públicas”, afirma o youtuber, que disse não ter qualquer intenção de se dedicar à vida política — mas reconheceu que também não pode prever “o dia de amanhã”.
A diferença no público que o acompanha dentro e fora de seu canal no YouTube começa na idade e nos interesses, já que os seguidores que consomem conteúdo em vídeo costumam ser mais jovens do que aqueles do Twitter. Ao expor uma opinião contundente, como foi o caso do episódio da Bienal, Neto acabou desagradando a um público e agradando a outro. Segundo ele, houve uma queda em seu canal no YouTube nos dias que se seguiram, mas que foi acompanhada da chegada de novos inscritos, impactados positivamente pela repercussão da Bienal. Na equação final, foi um saldo positivo de 40 mil seguidores no fim de semana da Bienal, ante uma média diária de 9 mil antes do episódio. “O mais difícil é levar a pessoa que me segue no Twitter para o YouTube, porque o cara que quer diversão pode até procurar um conteúdo meu mais sério de vez em quando, mas o contrário é raro”, avalia.
Foi a busca por assunto sério que levou Mariah Labruna Zoni, de 17 anos, seguidora de Felipe Neto, a se informar sobre política por meio das redes sociais. Natural de Goiânia, Goiás, ela passou a se interessar pelo tema por obra de influenciadores e afirmou não se considerar nem de esquerda nem de direita. “Quando alguém que conheço e me importo fala sobre notícias do país, como acontece com os influenciadores nas redes sociais, fico mais interessada e já pego a discussão acontecendo de forma relevante”, disse. A estudante explicou sua dinâmica de informação: primeiro, surge a curiosidade por determinado assunto ligado a política por influência de personalidades da internet, em especial quando se posicionam de forma contundente sobre um tema — criticando ou elogiando. A partir desse contato inicial, ela pesquisa o assunto mais detalhadamente e acaba sendo remetida para sites na internet, dando preferência para os mais convencionais.
Felipe Neto afirma que sua formação política vem da leitura de livros e jornais, além de constantes conversas com parlamentares e autoridades. “Faço parte de grupos de WhatsApp com políticos de esquerda e pessoas simpáticas à direita, mas discordo de todos”, afirmou. Ele observa entre o público jovem na internet, em especial no YouTube, uma tendência a preferir canais de política pouco diversificados, conduta que ele classificou como “vício”. A devoção ao influenciador, segundo ele, acaba resultando em menos procura por outras fontes de informação, em especial os meios tradicionais de jornalismo profissional. No aspecto da idolatria jovem, o ideólogo do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, que tem mais de 780 mil seguidores no YouTube, é descrito por Neto como um “dos caras mais perigosos do Brasil”.
Um levantamento feito com 320 canais de política no YouTube, pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP), em agosto, mostra que, entre as gradações do espectro político, o grupo de contas associadas a grupos conservadores, de direita e ligados ao bolsonarismo é mais numeroso e tem mais seguidores. São 183 canais com 70 milhões de inscritos. O restante, que soma contas ligadas a grupos de esquerda e veículos tradicionais de informação, não passa de 103 canais e 15 milhões de inscritos. Segundo Pablo Ortellado, idealizador da pesquisa, o ambiente polarizado da plataforma de vídeos se deve à entrada pioneira dos adeptos da direita e à chegada tardia dos meios tradicionais de informação política. Para ele, os vídeos longos, com estética por vezes propositadamente rudimentar, acabam criando identificação com o público. “Como o YouTube é um território predominantemente da direita e o algoritmo conduz o indivíduo para vídeos muito populares, a possibilidade de uma pessoa receber muitas sugestões de produtos com esse viés é grande”, explicou o pesquisador.
O influenciador Felipe Castanhari, que produz vídeos de entretenimento, aventurou-se a explicar a seus seguidores, a maioria adolescentes, por que a Terra não é plana. Foto: Adriano Vizoni / Folhapress
O influenciador Felipe Castanhari, que produz vídeos de entretenimento, aventurou-se a explicar a seus seguidores, a maioria adolescentes, por que a Terra não é plana. Foto: Adriano Vizoni / Folhapress
O estudante de Direito André Dock, de 24 anos, sempre foi entusiasta de vídeos na internet, antes mesmo de se interessar por política. O primeiro voto mudou sua percepção, e ele, que se diz de esquerda, passou a buscar informação no YouTube, em canais como Jones Manuel e grupo Meteoro Brasil, ambos também à esquerda. Dock avaliou que as análises publicadas por integrantes do espectro político contrário ao seu costumam ser menos profundas e mais inflamadas, por isso têm mais audiência. “Infelizmente, o que faz mais sucesso são discursos alarmistas”, afirmou.
Na última eleição, Felipe Neto votou no petista Fernando Haddad no segundo turno. Diz não admirar nenhum partido político e não fazer apologia partidária em suas redes. No furor das manifestações de junho de 2013, quando se dedicava exclusivamente à produção de conteúdo de entretenimento, publicou um vídeo com tom indignado, conclamando seus seguidores a irem para a rua contra os desmandos do governo da época, de Dilma Rousseff. “Estamos na rua pelos abusos, por um governo que mais se preocupa em enriquecer empreiteira do que em ajudar sua população a evoluir”, bradou. Hoje, classifica a polarização política que se acirrou de lá para cá como “Fla-Flu impensado”. “É engraçado como as pessoas acham que ou sou liberal, por conta das minhas empresas, ou de esquerda, pelas pautas progressistas. Exigem que a gente apoie todas as propostas de um lado e odeie o outro como se fosse um time”, disse o youtuber, que fatura anualmente R$ 30 milhões com seus negócios — todos ligados à internet.
Nem todos os youtubers de política exibem números hiperbólicos como Neto. Sabrina Fernandes é doutora em sociologia e comanda o Tese Onze, com 200 mil inscritos, um canal que ela considera ser de “extrema-esquerda”. Ela defende, contudo, que os vídeos deem substância ao debate político, mas não substituam livros e outros meios de informação. Já o economista e mestre em filosofia pela USP Joel Pinheiro da Fonseca tem quase 70 mil seguidores, a maioria jovens. Ele disse que foi justamente a crescente demanda desse público por vídeos de política com uma estética menos tradicional e o menor interesse pela informação escrita que o motivaram a criar o canal. E que a repercussão de seus comentários políticos em vídeo tende a ser muito maior, nos critérios de engajamento e reação, do que quando escreve um artigo de opinião. “As pessoas estão cansadas de tudo que é institucional e, nessa perspectiva, os canais funcionam bem”, afirmou.
Nem todos os youtubers que enveredam para temas ligados à política repercutem como Felipe Neto. Julia Tolezano, a Jout Jout, de 28 anos, e Felipe Castanhari, de 29, que começaram seus canais falando sobre questões de comportamento e entretenimento, respectivamente, acabaram criando também vídeos sobre política. No período pré-eleitoral, Jout Jout fez uma série de oito episódios explicando o funcionamento das instituições democráticas. A audiência foi, em média, menor que a de seus vídeos mais corriqueiros — o trabalho mais popular da youtuber foi visto mais de 6 milhões de vezes, enquanto as publicações sobre política tiveram uma média de 800 mil visualizações. Já Castanhari preferiu direcionar seus esforços para vídeos educativos sobre temas nacionais — em um deles, chega a dar-se a inglória missão de explicar por que a Terra não poderia ser plana. Contudo, seus vídeos mais vistos continuam sendo os de paródias de música e imitações.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sugerem que o contingente de jovens a usar plataformas virtuais para participar da discussão política poderá ser ainda maior nos próximos anos. Uma pesquisa feita em 2017 sobre o uso de internet pelos brasileiros mostrou que mais de 70% da população entre 10 e 13 anos usara com frequência a rede naquele ano. Essa mesma fatia da sociedade estará apta a votar entre 2020 e 2022 — e, se seguir a mesma tendência, terá nas redes sociais seu manancial de conteúdo político.
De olho nessa parte do eleitorado, o presidente Jair Bolsonaro tem intensificado seu discurso para a população mais jovem — com quem já dialogava por meio de vídeos na internet e “lives” desde quando era deputado federal. Mas Bolsonaro agora mira, em especial, os adolescentes que jogam nas redes. Em julho, o presidente fez uma postagem no Twitter mostrando um vídeo em que jogava usando um console. Dias depois, ligou para o jogador profissional de Counter-Strike Gabriel Toledo, conhecido como FalleN, que tem mais de 2 milhões de seguidores nas redes sociais, afirmando que desoneraria o mercado de jogos — em especial a produção de consoles. O jogador postou um vídeo nas redes mostrando sua conversa com o presidente e agradecendo a iniciativa. Em agosto, Bolsonaro editou um decreto aplicando a mudança tributária. A atitude foi vista como estratégia política por especialistas do setor de jogos, sobretudo porque há, atualmente, uma migração mundial do mercado para dispositivos móveis — sem a necessidade de consoles.
O cientista político Humberto Dantas, da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, avaliou que os influenciadores substituem, hoje, o papel das lideranças políticas estudantis do passado. Ele alertou que a diversidade de plataformas pode implicar má educação política. “O que me preocupa é a dificuldade de instruir os seguidores de maneira ética, já que ainda temos dificuldade em explicar como as coisas funcionam no universo da política. Alguns influenciadores têm formação e base teórica, mas alguns reproduzem o senso comum e não conseguem fazer muito além de inflamar o debate”, disse. Dantas relatou, com base em um trabalho que realiza em escolas públicas de São Paulo, que alunos do ensino médio passaram a manifestar profunda raiva e descrença pelo sistema político incentivados pelo conteúdo a que assistem no YouTtube. “Há quem diga, por exemplo, que seria preciso matar todos os políticos e começar tudo outra vez.” O caso citado pelo professor é um ponto fora da curva. Mas vale o alerta de que nem sempre o tempo da política é tão veloz quanto o tempo da internet.