Nascida e criada em meio às redes, Geração Z tem potencial para mudar a política nos EUA

Nascida e criada em meio às redes, Geração Z tem potencial para mudar a política nos EUA

20 de julho de 2020
Última atualização: 20 de julho de 2020
Helio Gama Neto

O GLOBO – 19/07/2020

Thayz Guimarães

No final de junho, a foto de um Donald Trump abatido e amarrotado caminhando pelo gramado da Casa Branca viralizou nas redes sociais como um meme de “a pior ressaca do ano”. O presidente americano acabara de voltar de um comício em Tulsa, Oklahoma, onde esperava encontrar dezenas de milhares de apoiadores, mas se deparou com um estádio esvaziado. Por trás do boicote estava um grupo de jovens apontados pela imprensa como “usuários de TikTok e fãs de K-pop”, que, por meio de uma ação coordenada, solicitaram montes de ingressos gratuitos on-line para o evento, sem nunca terem tido a intenção de comparecer — muitos nem sequer moravam nos EUA.

Os tais “usuários de Tik Tok e fãs de K-pop” na verdade são reflexo de um grupo maior, que agora começa a adentrar os espaços políticos da sociedade americana, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO. Nascida a partir de 1996, a Geração Z tem sido apontada como a geração de americanos mais diversa em termos étnicos e está a caminho de se tornar a mais instruída até o momento, segundo dados do Pew Research Center, centro de pesquisas dos EUA.

— Eles são a primeira geração em que os brancos são uma maioria pequena, de 52% — afirma Ruth Ignielk, pesquisadora do Pew. — São também uma geração de nativos digitais, e é isso que os delimita enquanto geração. Embora os millennials (nascidos entre 1981 e 1996) tenham atingido a vida adulta na era da internet, os zoomers guardam pouca ou nenhuma memória do mundo pré-smartphones, e isso tem reflexos na sociedade.

Em números absolutos, a chegada da chamada Geração Z à esfera política nos EUA representa um contingente de 15 milhões de novos eleitores na corrida presidencial de novembro, segundo Abby Kiesa, diretora de impacto do Centro de Informação e Pesquisa sobre Aprendizagem e Engajamento Cívico (Circle) da Universidade Tufts, especializado na vida política dos jovens nos EUA.

— A primeira eleição em que uma parcela da Geração Z se tornou apta a votar foi na legislativa de 2018, quando vimos um salto na participação dos jovens, de 14% em 2014 para 28%, a maior dos últimos 25 anos — explica Kiesa. — Também identificamos em 2018 um aumento maciço no número de jovens interessados em questões políticas e eleições, o que continua neste ano.

O envolvimento político dessa geração não se limita à esfera eleitoral. Uma pesquisa recém-publicada pelo Circle mostra que o número de zoomers que diz ter participado de alguma marcha ou protesto nos últimos quatro anos passou de 5% para 28%, enquanto aqueles que se voluntariaram para participar de campanhas políticas aumentou de 5% em 2016 para 18% em 2020.

Quase um mês antes de boicotarem o comício de Trump em Tulsa, fãs de K-pop foram responsáveis por levantar a hashtag #BlackLivesMatter (#VidasNegrasImportam) no Twitter em meio à onda de protestos contra o racismo que se sucedeu à morte de George Floyd em Minneapolis. Quando o Departamento de Polícia de Dallas pediu que as pessoas enviassem “vídeos de atividades ilegais” dos protestos através do aplicativo iWatchDallas, na expectativa de identificarem “vândalos” e “arruaceiros”, eles também entraram em cena e inundaram o sistema com conteúdos de suas bandas coreanas favoritas e imagens de abusos policiais ocorridos durante as manifestações.

— Nós temos um problema de pensar que todo grupo de fãs é destacado da sociedade, como se não fossem cidadãos participantes e seres políticos — afirma Daniela Mazur, pesquisadora do grupo MidiÁsia da Universidade Federal Fluminense (UFF). — A onda coreana já tem quase 30 anos de consolidação como fenômeno cultural, e está nas suas origens o envolvimento com causas sociais, mas só agora, com o levante contra Trump, o Ocidente soube disso, que a instituição de fãs do K-pop é muito organizada, engajada social e politicamente, e sabe usar como ninguém a internet.

Técnicas como essa ainda não puderam ser medidas enquanto ferramentas de impacto eleitoral, mas têm acendido o alerta acerca de seus possíveis reflexos no modo de se fazer e pensar a política.

As gerações Foto: Editoria de Arte
As gerações Foto: Editoria de Arte

— Os jovens estão usando um monte de estratégias diferentes para gerar impacto nas questões com as quais se preocupam — afirma Abby Kiesa, do Circle. — Dependendo do contexto, 2 mil pessoas telefonando ao mesmo tempo para um escritório de um congressista, por exemplo, vão ter mais impacto do que 2 mil pessoas protestando do lado de fora do Congresso.

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Visões à esquerda
No geral, os membros da Geração Z tendem a ter visões políticas mais ligadas à esquerda. Entre os zoomers que são eleitores registrados, 61% definitivamente ou provavelmente votariam no candidato democrata à Presidência nas eleições deste ano, segundo uma pesquisa do Pew de janeiro, e um quarto (22%) disse que planejava votar em Trump.

Os zoomers republicanos também se diferenciam das gerações anteriores de eleitores do partido. Segundo a pesquisa, eles tendem mais a reconhecer que os negros são tratados com menos justiça do que os brancos nos EUA, assim como a criticar mais o governo e a reconhecer que as mudanças climáticas ocorrem por influência humana.

Na política Foto: Editoria de Arte
Na política Foto: Editoria de Arte

Apesar de todo o seu engajamento, é difícil medir o impacto da Geração Z na disputa eleitoral deste ano, afirma Ruth Ignielk, do Pew, já que tradicionalmente a proporção de jovens nos EUA que costuma votar é menor do que a das pessoas mais velhas.

— A questão agora é saber se essa geração seguirá o padrão ou fará diferente — pondera a pesquisadora. — O que nós sabemos com certeza é que a diversidade dessa geração terá algum impacto e que a mudança está a caminho.


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Helio Gama Neto