David Byrne que me perdoe, mas nosso refrão é: “We’re on a ocean to nowhere”

David Byrne que me perdoe, mas nosso refrão é: “We're on a ocean to nowhere”

10 de janeiro de 2022
Última atualização: 24 de agosto de 2023
7min
Márcia Miranda

10 de janeiro de 2022

Por Demétrios dos Santos 

Nos últimos dois anos, quase todo brasileiro se apossou do substantivo “sofrimento”. Saudade do tempo em que essa palavra era um atributo quase que exclusivo de corinthianos e editores…, mas o fardo dela, ainda está conosco!

E esse pesar se demonstra de muitas formas: os nossos custos operacionais e de impressão perante o dólar, a inflação, a perda progressiva de leitores interessados no meio revista, a publicidade dedicada que se minou e a substituição de nossa mídia principal por outras inúmeras e diluídas. Está é a nossa realidade.

Mas se por um lado o mercado de revistas sofre com redução de leitores há anos, os números de leitura no Brasil não seguem exatamente na mesma linha: o mercado de livros em 2021 e 2020 foram progressivamente muito superiores ao de 2019, muito provavelmente reflexo da pandemia que sofremos.

Também aqui no Brasil, segundo números da 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura, o número de livros inteiros lidos por brasileiros passou de 2,1 livros/ano em 2011 para 2,5 livros em 2019. Apesar de estamos bem abaixo de países europeus, França tem uma média superior a 20 livros/pessoa ao ano, ainda estamos numa progressão.

Em um recente artigo publicado pela BBC, estima-se que a média de palavras lidas por pessoas atualmente esteja na casa de 100 mil palavras/dia! Se considerarmos como referência uma média de 200 palavras por lauda de trabalhos acadêmicos, lemos em média 500 laudas diariamente (números baseados em um estudo britânico).

A obrigatória leitura passiva

Mas se o aumento de leitores é evidente, onde estão esses leitores? Comprando e assinando revistas tradicionais, provavelmente não estão. Antes da web como a conhecemos hoje, ler era um ato ativo, uma escolha. Optávamos por pegar uma revista em mãos, um livro e simplesmente ler. Hoje a leitura é absolutamente passiva, nos comunicamos através de mensagens de textos, pelos nossos viciantes feeds de redes sociais, que também estão infestados de microtextos. Somos fisgados por links e às vezes lemos uma matéria de revista, jornal ou blog, tudo diluído neste oceano caótico…, mas sempre estamos “nadando” nele, mesmo que à deriva.

E o que deu errado para as revistas? Penso que a nossa primeira falha foi ter acreditado (e ainda insistirmos) na mera transposição do conteúdo de páginas impressas para telas. Nossa visão de passado sobre o futuro das revistas eram os tablets, olhem só: t-a-b-l-e-t-s! Tínhamos a opção de “baixar offline” a edição para ler no avião ou ônibus! Estávamos mais preocupados com o “pdf” do que o browser e deu no que deu… Deixamos de ser referência para sermos um produto segmentado, sempre associado a uma ideia de passado, deixamos de ser uma opção de leitura e passamos para uma leitura consequente do caos, um link fisgado no oceano pelo algoritmo ou pela sorte mesmo.

E, mesmo assim, continuamos fascinados pela ideia de recuperação do nosso mercado tradicional. Nós profissionais, realmente acreditamos nessa recuperação? Penso que outros caminhos sejam possíveis, mas não este dos exemplares tradicionais. A revista começou a morrer há dez anos, infelizmente junto com Civita. Revistas eram pops, acessíveis, baratas e por vezes descartáveis, porém mesmo assim, viáveis! Hoje, é difícil a um jovem engolir R$20 ou R$30 em um exemplar que ele lerá e não guardará, especialmente quando o preço de capa de uma revista já se aproxima do preço médio de um livro (de R$ 45 em 2020 para R$ 42 em 2021). Isto sem falar em serviços digitais de streamings, a média hoje é de R$ 24 por serviço (leia aqui). Tecnicamente já somos mais caros que um streaming de vídeo. O que o oferecemos? Praticamente a mesma coisa que oferecíamos há 10 ou 15 anos, com raras exceções.

Capacitação de equipes e segurança

Este ano pode ser um momento do reencontro com a praia da lucidez e nós editores, estamos no meio das braçadas pelo reencontro. Definitivamente temos que focar mais em conteúdo do que em formatos. Temos que nos adaptar verdadeiramente aos novos meios de entregas. Ainda vejo redações com dificuldades em encarar microfones, câmeras ou simplesmente incapazes de operar, em nível básico, um CMS (Content Management System) de seus websites.

Precisamos capacitar nossas equipes de conteúdo para que se sintam seguras em lidar com esses novos ambientes. Se no passado, parecia uma utopia uma câmera numa redação, hoje é uma realidade. Se formos capazes de entregar conteúdos verdadeiramente relevantes, em forma de textos longos ou curtos, vídeos ou áudios, ainda teremos relevância. Não podemos mais se dar ao luxo de produzir nosso conteúdo apenas em texto. Devemos levar nossos textos para outros formatos e assim, ampliaremos nossa base de leitores através de espectadores, ouvintes e consumidores natos digitais.

Os publishers de periódicos foram os pioneiros em entregas recorrentes, sejam por assinaturas ou vendas avulsas. Perdemos esse protagonismo. Lembro-me que há alguns anos, eram comuns leitores indignados com renovações automáticas de assinaturas, casos de justiça! Hoje, os consumidores digitais sequer questionam esses modelos, para eles, é algo realmente normal.

Mas não adianta engatar um PayWall em seu site se o que você pretende é apenas fechar seu conteúdo. Outlines (burladores de PayWall) da vida estão por aí para resolver esse “problema” do leitor. Mas se você demonstrar que seu conteúdo é um verdadeiro ecossistema de entregas relevantes, diversas e profundas, aliado a serviços exclusivos e personalizados, talvez esse leitor/consumidor entenda que vale a pena encaixar nosso conteúdo em sua carteira de streamings.

Nosso leitor precisa ter exclusividade em entregas antecipadas de conteúdo, nosso pagante precisa saber que aquilo que recebe é exclusivo e aqui falo de newsletters, encontros virtuais, grupos, vídeos ou áudios estendidos. Nosso assinante precisa ter acesso ao nosso acervo de conteúdo, deve interagir com exclusividade, comentar e até mesmo compartilhar com não pagantes aquilo que só ele pagante poderia ter. Nosso apoiador precisa estar mencionado nominalmente em um “mural digital”, assim como já fazem os produtores de conteúdo com seus seguidores pagantes. Nosso leitor precisa ser gratificado e se sentir responsabilizado por nossa existência.

É nisto que acredito. Precisamos chegar lá e construir nosso quiosque urgentemente!

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Demétrios dos Santos é cientista social, publisher na LiteraRUA Editora, editor de livros e Diretor de Operações da CartaCapital

Márcia Miranda
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