FOLHA DE S.PAULO – 28/07/2020
EDITORIAL
Não há dúvida de que o presidente Jair Bolsonaro conta com uma ampla rede de seguidores que usam a internet para espalhar desinformação, incitar o ódio contra seus adversários e fomentar o descrédito nas instituições democráticas.
Se a existência dessa rede e sua relevância para a sustentação do governo são incontroversas, resta muito a esclarecer acerca de sua articulação com grupos empresariais, da origem dos recursos que a financiam e dos mecanismos que amplificam seu alcance.
O Supremo Tribunal Federal tomou a iniciativa de examinar essas questões há mais de um ano, quando abriu inquérito para investigar a disseminação de notícias falsas, ofensas e ameaças contra os integrantes da corte nas redes sociais.
Conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, a investigação tem caráter sigiloso, mas fez barulho nos últimos meses, com buscas nas casas de aliados de Bolsonaro, apreensão de computadores e o início de uma devassa financeira.
Na última sexta-feira (24), cumprindo determinação do magistrado, o Facebook e o Twitter bloquearam as contas de dezenas de investigados, impedindo que continuem a se manifestar nas plataformas e barrando até o acesso a mensagens inofensivas do passado.
Claramente desproporcional, a censura imposta aos bolsonaristas mostra que Moraes escolheu um caminho arriscado e contraproducente para atacar o problema.
Basta ler o despacho que ordenou o bloqueio das contas para perceber que várias mensagens apontadas como ofensivas são críticas legítimas, ainda que grosseiras ou injustas, a que todos estão sujeitos num regime em que a liberdade de expressão é garantida.
Ao tentar silenciar os investigados de forma tão ampla e indiscriminada, a decisão de Moraes abre caminho para estreitar os limites em que esse direito fundamental pode ser exercido —criando assim insegurança para toda a sociedade.
Além disso, a medida se revelou pouco eficaz porque foi facilmente contornada pelos bolsonaristas, que passaram a usar contas de amigos e parentes para se manifestar e a ensinar aos seguidores como encontrar o material bloqueado visitando sites no exterior.
Logo tornou-se evidente que o bloqueio contribuiu mais para mobilizar as hostes do presidente do que para silenciá-las. O próprio Bolsonaro apresentou ao STF petição esdrúxula em defesa dos apoiadores, como se o assunto fosse seu.
Se o objetivo do Supremo é impedir a rede bolsonarista de usar a liberdade de expressão para sabotar a democracia, a melhor maneira de fazê-lo será desvendar sua engrenagem, concluir o inquérito e submeter os aliados do presidente a julgamento o quanto antes.