Coluna Ana Selvatici: a inteligência artificial nas redações
Nos últimos anos, a inteligência artificial tem causado uma grande transformação em diversas indústrias, e o jornalismo não é uma exceção. A forma como produzimos e consumimos notícias mudou e continuará mudando, com a integração da IA, trazendo novas oportunidades, mas também novos desafios.
Nessa coluna, tentarei contar como temos visto a IA ser mais usada em redações, exemplos, tendências e desafios.
Automação para facilitar o fluxo de produção de conteúdo
Um dos principais usos da IA no jornalismo é a automação. Mas não estou falando sobre a criação de notícias propriamente dita, ou pelo menos, não somente. A IA está cada vez mais presente em todo o fluxo de trabalho das redações, e mais nos bastidores do que no palco.
- O New York Times, por exemplo, desenvolveu uma tecnologia chamada Editor, que atua como um assistente inteligente para a equipe de jornalistas. Essa tecnologia ajuda a identificar frases-chave, sugere títulos e fornece detalhes para melhorar o SEO e aumentar as taxas de cliques.
- No Washington Post, a ferramenta Heliograf é usada para criar resumos de notícias e pequenas matérias, além de atualizar informações que se desenrolam rapidamente.
- A Reuters, por exemplo, além de utilizar IA para a atualização imediata e constante de notícias, a utiliza para monitorar feeds do Twitter e identificar notícias emergentes antes que se tornem manchetes.
- A Associated Press também tem feito uso da IA, empregando-a para gerar relatórios financeiros e resumos esportivos baseados em dados.
Todas essas aplicações permitem que os jornalistas se concentrem em aspectos mais criativos e analíticos do trabalho, enquanto a IA cuida das tarefas mais repetitivas.
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Guardian: inteligência artificial que promove interatividade com os leitores
A verificação de fatos é outra área em que a IA está mostrando seu valor. Com a capacidade de processar grandes quantidades de dados, ela pode identificar padrões e verificar a veracidade das informações, ajudando a combater a disseminação de desinformação e a garantir a integridade das notícias.
Outra aplicação crescente da IA é o foco no engajamento com a audiência. E isso pode ser dar através da personalização de conteúdo e atendimento e interação automatizados. Feeds de notícias personalizados e recomendações baseadas no histórico e nas preferências dos usuários, bots e assistentes virtuais que nunca dormem melhoram a experiência do leitor, a eficiência do atendimento e geram maior interação com as notícias, podendo aumentar o engajamento e a lealdade da audiência.
O Guardian, por exemplo, recentemente introduziu um chatbot para que seus leitores possam fazer perguntas sobre as matérias, deixando a informação mais interativa e divertida.
Ferramentas de IA também para o jornalismo local
Acho importante dizer que todas esses usos da inteligência artificial não são privilégio de grandes grupos de mídia ou só funcionam em grandes escalas. No jornalismo local, a IA pode também ter um papel significativo, oferecendo cobertura de eventos e temas locais, com granularidade que seria difícil para repórteres humanos abordarem sozinhos. Por exemplo, cobertura de política local, eleições, esportes, eventos específicos, clima da região etc. Com essas possibilidades, a tecnologia abre novas oportunidades para monetização e expansão da cobertura de outros assuntos.
Outras aplicações menos frequentes ainda incluem a verificação de imagens e vídeos, bem como a criação de imagens ou avatares.
Mas nem só de produtividade vive a IA. Um caso curioso e interessante ao mesmo tempo colocou a IA como uma importante ferramenta de proteção de jornalistas e liberdade de imprensa. Uma agência de notícias venezuelana lançou nesse último mês de Agosto um projeto inovador em que utiliza IA para criar âncoras de notícias virtuais. Chamados “El Pana” e “La Chama”, eles relatam notícias e ajudam a proteger jornalistas da repressão governamental.
Jornalista de IA: profissional especializado em interação com novas tecnologias
A integração da IA no jornalismo, embora promissora, também enfrenta desafios. De acordo com o Reuters Institute Digital News Report 2024, uma das maiores preocupações é o viés nos conteúdos gerados por IA, o que pode comprometer a qualidade e a imparcialidade das notícias. Por isso, princípios fundamentais do jornalismo, como credibilidade, imparcialidade e checagem de fatos, continuam sendo essenciais. Ferramentas de IA que se alinham a esses princípios têm sido mais bem recebidas no setor.
Além disso, a transparência no uso da IA e seu impacto no emprego no jornalismo são questões a serem levadas em consideração. O público exige mais clareza sobre como e quando a IA é utilizada na produção de conteúdo. A pesquisa da Reuters mostra que muitas pessoas ainda se sentem mais confortáveis com notícias produzidas predominantemente por humanos, mesmo que a IA contribua para esse processo.
Nesse contexto, o papel do jornalista permanece central, com a inteligência artificial funcionando como uma ferramenta de apoio. Assim como surgiram novas especializações no passado, como o jornalista de redes sociais e o jornalista de dados, agora está se formando a figura do jornalista de IA. Um profissional especializado em interagir com a nova tecnologia, aproveitando seu potencial para enriquecer a produção jornalística e atender às expectativas de um público cada vez mais exigente.